terça-feira, 19 de julho de 2011

Vidas guiadas pelos trilhos do trem (Parte II)

Veja o inicio da reportagem clicando aqui


Na casa humilde, em Lindolfo Waick pequeno distrito de São Gabriel, Ramão era esperado pela esposa Noêmia e pelos quatro filhos. Ângela, Nara hoje com 46 anos, Vânia, 44 e Renan, 48. É daquele vilarejo que Ângela guarda as recordações mais nítidas de sua infância. “O pai trabalhou por todo o Rio Grande do Sul. Eu nasci em Cacequi e fui registrada em Erexim. E eu nem conheço Erexim. De todos esses lugares, eu me lembro mesmo de Lindolfo Waick. Não lembro dos outros, só sei que nos mudávamos muito”.
Enquanto o país digeria o golpe de estado que encerrou o governo do presidente Jango, iniciando um dos períodos mais sangrentos da história brasileira, os Maxwell viviam alheios em meio à linha férrea. “Eu gostava daquela época. A gente dava as mãos e seguia caminhando por cima dos trilhos. Ia e voltava. O brinquedo da gente naquela época era pular corda, brincar de mancha... E a gente também pulava vagão”, conta Ângela, por um breve momento envergonhada pelas travessuras de sua infância. O pai, nas poucas vezes que encontrava tempo para as crianças os distraia com uma paixão que o acompanhou por toda a vida: o carteado. “Só um tal de jogo de truco que meu pai jogava no trabalho, aquele jogo ele não ensinou pra nós. Porque era um jogo grosseiro, tinha que dizer uns nomes feios, esse jogo é pra homem, ele dizia”.
Antigo trole da estação
Nos anos de ouro da ferrovia, o local reunia importantes autoridades nacionais e estaduais num dos mais famosos restaurantes do Rio Grande do Sul. O restaurante da Estação Cacequi recebeu personalidades como Getúlio Vargas, João Goulart e Leonel Brizola. O local fervilhava pelo intenso fluxo de pessoas que aguardavam o momento da baldeação de um trem para o outro. Mas, não foi o prestígio que tornou a estação inesquecível para os Maxwell. Além do trabalho árduo e das pequenas travessuras, os trilhos marcaram a vida da família em momentos de alegria e tristeza. Em 9 de Junho de 1967, grávida da filha caçula, Noêmia esposa de Ramão, começou a sentir as dores do parto na pequena casa do interior. Em Lindolfo Waick não existia nenhum posto médico, quando a população precisava de atendimento “tinha que colocar a pessoa correndo em cima do trole e lascar para São Gabriel” lembra Ângela, rindo das dificuldades da época. “Fomos eu, uma vizinha que depois se tornou madrinha da minha irmã e quatro homens que ajudaram a colocar a mãe no carrinho.” Quando o trole se aproximava da cidade, todos perceberam que não havia mais tempo. Vânia queria nascer. “Tiveram que tirar o trole de cima dos trilhos, porque podia vir um trem! Imagina se vem um trem e mata todo mundo?” A lua cheia acompanhou do céu estrelado a chegada de Vânia Maxwell ao mundo. Após o parto, o trole foi recolocado nos trilhos e seguiu caminho, enfrentando a noite fria de final de Outono a caminho do hospital. “Ela nasceu com 900 gramas, no frio, na rua. E viveu. Tem quatro filhos hoje. É a mais corajosa de nós”, fala com orgulho Ângela sobre a irmã, que hoje reside em Pelotas e trabalha como enfermeira...

(Continua)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Faça duas blogueiras felizes: comente este post!